Sucesso de público

quinta-feira, 30 de julho de 2015

"A História da Eternidade" - ou a história de todos nós

  
Débora Ingrid (Alfonsina)

  Qual o caminho para a eternidade? Onde nos instalamos, depois que a vida nos abandona? Em que lugar permanecemos depois da inevitável partida? Ou isto aqui é tudo? Então, passamos? E só? Não pode. Não aceitamos o final sem vestígios; nunca.  A história de todos nós passa inevitavelmente pela necessidade de permanência, mesmo quando a vida caminha para a despedida. E por isso buscamos, desesperadamente, sermos amados, notados, ouvidos, vistos, ao menos por uma fração mínima de segundo da vida, buscamos algo ou alguém em quem nos eternizarmos. E quando isto acontece é sublime, é a constatação plena de existência; existo porque o outro me vê, me tem. Se reparto, se deixo alguma marca, não parto definitivamente.

  "A História da Eternidade"(2015), é um filme singelo, despretensioso aparentemente, contudo é perturbador, altamente profundo e muito poderoso. Pois coloca na tela o medo, a angústia, os nossos sonhos e segredos mais interiores, utilizando personagens culturalmente específicos, mas que são capazes de abarcar toda a poesia sobre o enfrentamento que a condição humana nos requisita. No sertão profundo, três personagens universalizam tais questões humanas. Em um ambiente inóspito ao feminino, numa sociedade marcadamente machista, três mulheres sertanejas serão as grandes responsáveis pelos rumos da história do vilarejo que compartilham. 

  Alfonsina é uma adolescente de quinze anos, que na ausência da mãe, assume todos os trabalhos domésticos, além dos cuidados com o pai e  com os quatro irmãos. A menina sonhadora, de rosto angelical,  que sonha com mar é fortemente influenciada pela relação afetuosa e de identificação que mantém com  um tio epilético; um artista amador, cuja arte não cabe no vilarejo tão apequenado para as linguagens subjetivas e quase não cabe em si, pela saúde fragilizada e obstáculos que precisa enfrentar em defesa daquilo que ele é. Querência é uma mulher de meia idade, que acaba de enterrar um filho pequeno, ser abandonada pelo marido e que em meio a dor e a escuridão (a casa de janelas e portas cerradas) precisa lidar com as investidas de um sanfoneiro com deficiência visual, que a persegue. Querência parece não suportar, ainda, o tamanho do amor que o sanfoneiro está disposto a oferecer a ela. A outra personagem é Das Dores, uma mulher de setenta anos, devotada à igreja e aos problemas de cada morador da vila, que solitária, depois da morte do marido e da mudança dos filhos, recebe um neto em fuga. A visita do rapaz despertará em Das Dores  desejos recônditos e sublimados por décadas, o que a colocará frente a uma desordem moral e, ao mesmo tempo, muito natural -  fruto da sua solidão e carência. 

  As três personagens viverão conflitos bastante específicos e a narrativa desenvolverá as ações de cada enredo numa dimensão muito íntima, quase particular, mas ao mesmo tempo, sempre passível de identificação e projeção. Além das protagonistas, a personagem do tio de Alfonsina, Joãozinho, trará o peso da subjetividade em meio a uma sociedade  árida, dura e incompatível com as questões da alma. Neste caso, a leveza do artista pesa, incomoda e gera grande parte das lutas interiores de cada personagem. 

  A fotografia da obra é um deslumbre, as tomadas da câmera delicadas e a trilha sonora muito emocionante, todas em sintonia, para assinalar um sertão muito rico em beleza e poesia. O sonho de Alfonsina proporcionado pelo tio é um dos mais sublimes, além da performance do artista vocacionado na música de Ney Matogrosso. 

  Ao final, cada uma das personagens guardará, sob o peso de perdas e escolhas, um pouco da eternidade de outras vidas. O filme, além dos medos e angústias,  é, também, sobre marcas, memórias e sonhos. Ninguém de nós passará, seja qual o vilarejo em que nos instalamos, incólumes a dureza que é viver. Também não seremos nunca a poeira cósmica para sempre desaparecida, em algum momento nos prenderemos a uma outra vida, nem sempre por escolha nossa. A eternidade é possível, não a imaginada, mas outra, que acontece enquanto nos perdemos em desejo, sonho e coragem súbita.


A História da Eternidade ( Brasil, 2015)
Direção: Camilo Cavalcante
Duração: 120min.





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