Sucesso de público

sexta-feira, 31 de maio de 2013

Das limitações - Sobre "Ferrugem e osso"

  
Marion Cotillard e Matthias Schoenaerts
 
Eu o escolhi, veria no meu aniversário; li uma sinopse rápida e não precisava de mais. Era ele. Uma hora antes e eu chegava ao cinema decidida, até que: - Não há mais ingressos para este, moça. Quer ver outro? Eu não queria, este era o filme do meu aniversário. Aniversariante sem escrúpulos, ainda usei o "meu dia" para sensibilizar a atendente e depois a gerente, porque pedi sim a intervenção dela. Voltei para casa sem assistir o filme aquele dia, mas eu sabia que "Ferrugem e Osso" era o meu filme "de aniversário" e depois de 15 dias ele me foi "entregue". Presente inesquecível que me dei.

 Em "Ferrugem e Osso" acompanhamos o nascimento de uma relação inusitada, inesperada até e, mais tarde, completamente justificada. A atraente Stéphanie (Marion Cotillard)  é uma jovem treinadora de orcas de um parque aquático no litoral francês que conhece Alain (Matthias Schoenaerts), o segurança de uma boate que ela frequenta, em um lance do destino. Com relações sociais, vida e laços completamente opostos, ambos jamais se reencontrariam se não fosse o desespero de Stéphanie e a disponibilidade de Alain.

  A treinadora de orcas sofre um acidente no trabalho e perde as duas pernas, completamente deprimida, afastada do convívio de amigos e familiares, provavelmente pela dificuldade de lidar com os sentimentos daqueles que a amam; possivelmente o olhar de compaixão é um dos mais dolorosos. Ela resolve ligar para o segurança que conheceu apenas superficialmente, pois estabelecer uma relação com quem não a conhecia de maneira mais profunda, parece menos doloroso. Alain, que sobrevive e tenta sustentar um filho de cinco anos, com pequenos trabalhos como segurança é um homem pouco sensível, truculento e impaciente e através dessa relação aparentemente improvável é que ambos serão capazes de superar seus limites. Ela a física e ele a emocional.

 O fato de Alain ser completamente desprovido de sutilezas e não demonstrar nenhum pesar em relação a nova situação da treinadora é o que traz Stéphanie para um mundo mais simples, tosco em que reaprender a exercer as atividades mais banais não parece dramático, nem digno de pena. Alain, involuntariamente, ensinará à Stéphanie um novo jeito de caminhar. Stéphanie, através de Alain, encontrará novas possibilidades de felicidade, desejo e liberdade.

 De um outro lado, assistimos a um filme que fala sobre vocação, que eventualmente confundimos com trabalho, profissão. Aqui, ambos coincidem, mas na vida real nem sempre acontece do mesmo jeito. Stéphanie é uma competente treinadora de orcas, ensina animais perigosos a realizarem belas coreografias, tem como vocação domar feras e transformá-las em artistas de um espetáculo primoroso. Esta é a vocação (do latim "chamado") de Stéphanie e mesmo longe das orcas, ela atende ao seu mais caro chamado. Alain é a orca, homem selvagem que precisa ser "treinado" a superar suas limitações emocionais. Assim como faz com as orcas, a treinadora conhecerá Alain, ganhará, aos poucos, sua confiança, para mais tarde estreitar laços afetivos e finalmente, transformá-lo em uma beleza domada. 

  Há, ainda, a relação conturbada de Alain com o filhinho frágil que somente será resolvida depois que Alain conhecer a dor e mais que a dor, carregar as cicatrizes provocadas por esta dor. No final do filme Alain é capaz de concluir com um pensamento bastante sensível, algo do tipo: - Não é a dor que ensina, uma dor esquecida é passado. São as cicatrizes que ainda doem que nos trazem a lembrança dessa dor, só elas é que ensinam, de verdade.

  "Ferrugem e osso" é uma bela estória que ensina que as limitações são passíveis de superação; que as relações nem sempre são aparentemente ideais, mas são elas que nos levam a um outro estágio necessário; ensina que em alguma medida somos chamados a cumprir nossa vocação e se não nos recusarmos nós podemos sempre transformar e sermos tranformados. 

"Ferrugem e Osso" (França/ Bélgica - 2012)
 Direção: Jacques Audiard
 Duração: 120 min.




 

2 comentários:

  1. Tive vontade de rever o filme só de ter lido seu texto Amanda, eu queria ter ido para JF para assisti-lo no Festival Varilux, mas aconteceu um imprevisto e eu pude ir... Gosto muito do tipo de abordagem que ele tem, seca e ao mesmo tempo sutil. Achei genial reflexão acerca da 'vocação' e a comparação que você fez entre o relacionamento deles e a atividade realizada por ela.

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    1. Então, José Bruno, ingressos para os filmes estavam super concorridos, tinham que ser comprados com alguma antecedência e por isso não consegui assistí-lo no cinema o jeito foi vê-lo em casa mesmo. Gostei demais, achei emocionante sem ser piegas e riquíssimo em possibilidades de reflexão. Acho que se assistí-lo dez vezes verei por perspectivas diversas. Filme bom é assim, né?rs

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Então...