Sucesso de público

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

"O que não tem censura nem nunca terá...o que será, que será" - Sobre "Amor"

  
  Nunca conherecemos nosso próprio limite até sermos postos à prova. Só compreenderemos, de fato, até onde somos capazes de ir, até nós irmos (porque "iríamos" é possibilidade, não é o chegar lá) ao que consideramos nosso máximo. Eu faria, seria, escolheria, entregaria é vago; é suposição, somente possibilidade. É só quando a situação é presente, que sabemos quem somos e até onde vamos ou nos deixamos ir.

  O filme chama "Amor", é francês , é um drama e a surpresa é que não há um só clichê em toda obra fílmica. Só o fato de fazerem um filme (meio que se utiliza-se da "arte de iludir" e, frequentemente, "recicla" inúmeras  referências já conhecidas) francês (com aquela tonelada de estereótipos sobre o país) e com este título perigoso (já que permite uma série de expectativas) sem parecer um "déjà vu", só por isso já vale conferir.

   Em "Amor", primeiro somos convidados a conhecer um simpático casal octogenário, independente, aparentemente harmônico e muito afetuoso, casal daqueles que muitos de nós já sonhamos em compor, um dia. Depois de voltarem de um concerto - a esposa Anne é uma professora de música aposentada e ambos são apaixonados por música clássica - conhecemos um pouco da intimidade delicada do casal, a volta para casa no transporte coletivo, o apartamento e seus móveis, livros, CD's, um pouco do cotidiano banal, medo da insegurança urbana. Já na manhã do dia seguinte, a trama ganha uma nova trajetória, as amenidades são substituídas por momentos de profundas incertezas, vulnerabilidade e adaptação. Anne sofre um AVC (acidente vascular cerebral), é internada para desobstruir uma artéria e nas palavras do próprio marido Georges, ela faz parte dos 5% de insucesso, das estatísticas. A cirurgia fracassa, Anne tem alta e volta para casa com o lado direito completamente paralisado. Já na sua chegada ela pede ao marido que nunca volte a interná-la, pois pretende terminar os seus dias no apartamento do casal. Georges e Anne têm, ainda, uma filha, pouco presente, uma musicista casada com um maestro renomado, que tenta convencer o pai a oferecer à mãe apenas os cuidados de especialistas. Mas, Georges mantém-se firme, até as últimas consequências, na promessa de não internar a esposa.

  A partir da nova condição de Anne, as inúmeras adaptações passam a ser frequentes e mais pungentes. Georges, seu fiel e doce companheiro, assume um novo papel, pois se antes ele era a parte mais frágil do casal, aquele que é "cuidado" pela parceira, ele rapidamente torna-se o cuidador da companheira debilitada. E nesta nada fácil missão, vemos a superação de um homem (aparentemente tão frágil), a dedicação ilimitada de um companheiro e a luta pela recuperação da saúde, conquista do bem estar (aceitação e conforto) e manutenção da dignidade de ambos.

  Aos poucos, somos convidados à reflexão e a identificação com a trama comovente e cada vez mais dura a qual acompanharemos. Não comover-se, a esta altura, creio não ser possível, afinal quem já testemunhou um ente querido paralisado, em sofrimento constante, sem medicina ou afeto possíveis, que curem ou, pelo menos, aplaquem a constante deterioração do ser que amamos, chora. Quem pensa ou já  pensou no seu destino futuro se compadece e também deixa as lágrimas rolarem. Anne sofre um outro AVC, tem sua capacidade de fala e raciocínio afetados, Georges conta com a ajuda de apenas uma enfermeira e parece cada vez mais debilitado. Neste momento da trama nos tornamos testemunhas oculares de um crime (?) motivado por amor, mas que não é passional, que pretende agir em defesa da vida, mas que não é legítima defesa. Um crime justificável e justificado. Em "Amor", compreeendemos que amar, às vezes, é fazer algo terrível, mas que você sabe que aplacará a dor de quem se ama; é colocar-se à disposição de uma culpa eterna para oferecer conforto ao outro.

  "Amour" merece ser visto, revisto e, principalmente, "sentido". Não vê-se uma estória dessas e se sai o mesmo, não entra-se na sala de cinema e continua leve a comer a pipoca; refrigerante ou água não tirarão o nó da garganta.

  Vale, ainda, o conselho: o filme é indicado para os suficientemente sensíveis que se entregarão e serão tocados pela estória, mas é contra-indicado para os frágeis demais, cuja trama poderá parecer de difícil digestão. "Amor" requisita sensibilidade e muita, muita coragem.


"Amor" (França, Alemanha e Áustria - 2012)
Direção: Michael Haneke
Duração:126min.




2 comentários:

  1. Em alguns momentos do filme, confesso, tive vontade de sair correndo do cinema... assim, como, às vezes, temos vontade de sair correndo da vida!!!!!!!!

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    1. Ainda bem que foste forte e fez-me companhia, sozinha seria mais difícil de levantar-me da cadeira. Temos vontade sim de sair correndo,eventualmente, mas a curiosidade pelo fim, nos faz ficar sempre. Beijo

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