Tilda Swilton e John C. Reilly |
Um "soco no estômago", extremo desconforto e pertubação, acho que são bem essas as sensações iniciais do espectador ao acompanhar o drama desolador de Eva (Tilda Swilton), no excelente "Precisamos falar sobre o Kevin" (EUA, 2011). E só mais tarde podemos então, articular os elementos essenciais da ficção para uma reflexão tão necessária, especialmente nos últimos tempos, da sociedade em que vivemos.
O filme, originado do romance de mesmo nome lançado em 2003, começa com uma narrativa em "flashback" e por isso, desde o início da trama somos avisados de antemão, que não veremos um "happy end", o que não nos poupa de sermos surpreendidos, à medida que a narrativa se avança, com uma sucessão de fatos cada vez mais assustadores. O filme, sob a minha ótica, se desenrola a partir de uma série de "Evas" que se apresentarão de acordo com cada etapa da narrativa. Na primeira fase, a mais dura delas, Eva é uma mulher com pouco mais de quarenta anos, desempregada, solitária, morando em uma casa aos pedaços, que é alvo constante de depredações, sofre calada e sofre muitíssimo, não revida uma agressão sofrida na rua e mais, quase se desculpa por apanhar, aos poucos, somos apresentados a mulher cuja própria história parece ser pesada demais para levá-la consigo dia após dia. E, por isso os calmantes e a taça de vinho, seus únicos companheiros diários. Logo, esta Eva nos apresenta a outra, aquela da sua memória, moça sensual, independente, com uma diversidade de experiências e viagens - sua paixão. Enamorada por Franklin (John C. Reilly) ela engravida e se vê na difícil tarefa de adaptar-se a nova vida; o espectador é apresentado ao primeiro dilema do filme: o chamado à maternidade talvez não seja tão natural e biológico, como esperamos. Todas as mulheres têm mesmo o instinto materno?
Desde o nascimento de Kevin (Ezra Miller) a relação entre mãe e filho é inexplicavelmente conturbada, intensificada pelo comportamento passivo do pai e pelos sentimentos mal resolvidos e não compartilhados de Eva por Kevin. Como se comunicar com o filho? Como amá-lo? Estas questões fazem com que mãe e filho vivam em um embate exaustivo, tornam Kevin impetuoso e Eva muito culpada.
A terceira Eva é uma mulher bem sucedida profissionalmente, mora em uma casa elegante e ampla e além de Kevin, torna-se mãe de Lucy, em uma relação completamente diferente e mais dentro dos padrões que conhecemos como verdadeiramente "materna"; muito afetuosa e tranquila. Mas, esta Eva já percebe de maneira, cada vez mais evidente, que o comportamento do primogênito destoa da normalidade, antes apenas com ela e agora com relação a outras pessoas. No entanto, só Eva e o espectador tomam consciência do nível de periculosidade que o adolescente representa, inclusive para própria irmã. Nesta etapa da trama, tornamo-nos testemunhas da barbárie algumas vezes amplamente noticiada nos últimos tempos, a morte de dezenas de estudantes por um colega de escola.
Eva é avisada da tragédia no trabalho, corre em direção a escola e sem notícias, desesperada como outros tantos pais, que se aglomeram em frente à escola, é surpreendida (?) com a saída de Kevin algemado por policiais. Eva, cujo nome é tão simbólico (a primeira mulher da humanidade) é mãe do rapaz responsável pelo horror que algumas vezes, nos chocam, nos amedrotam e nos levam a julgar (sem direito de defesa) os culpados por tamanha brutalidade. Este momento do filme é impactante, mas nada se compara ao horror que ainda está por vir. A vida de Eva se desmorona, a família perfeita é desintegrada, a casa elegante vendida. Desempregada, aturdida, solitária, humilhada, sem amparo algum, sem solidariedade (já que a mãe de um assassino geralmente é repelida), a terceira Eva, segue tentando reconstruir o pouco de vida que parece ter-lhe restado. Até conhecermos a quarta e última Eva.
A última Eva segue com a sua vida marcada, agora não tão impregnada, pelo vermelho (no filme esta cor aparece de maneira constante). Em suas visitas a Kevin, na prisão, sua comunicação com o filho é um pouco mais estreitada, vemos lampejos de humanidade no filho desta mãe. E é com esta última Eva que nós ficamos. E somos convidados a refletir sobre os aspectos de uma sociedade constantemente ameaçada pelo desconhecido, inexplicável e injustificável. Nem tudo é passível de modificação, nem tudo pode ser interrompido, nem ao menos, explicado. Nossa existência é muito mais frágil do que supomos. Eva era só uma mulher, com uma família como a de qualquer um. Eva errou? Se sim, quando? Alguém, um dia, terá uma resposta única e possível para Eva? Suspeito que precisamos falar "muito" mais sobre o Kevin do que temos falado. Desconfio que precisamos "frequentar" muito mais o outro lado, antes de qualquer julgamento.
O filme - Precisamos falar sobre o Kevin (EUA/ Reino Unido - 2011)
Direção: Lynne Ramsay; Duração:116 min
O livro - Precisamos falar sobre o Kevin
Autora: Lionel Shriver; N° de páginas: 464
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