Fanny Ardant |
Em frente ao espelho, agora, você o olha ou é ele que olha para você? Esta perspectiva inusitada e, aparentemente, simples faz toda a diferença sobre o que se é ou, ao menos, deseja-se ser. E em "Os belos dias" (França/2013) somos delicadamente confrontados com este espelho. Quem olha o quê?
O que uma mulher de sessenta anos que acaba de se aposentar deve fazer para ocupar seu tempo? Como uma mulher recém-aposentada, abalada pela morte recente da melhor amiga deve procurar se adaptar a nova vida? Qual o tamanho das suas perdas? Será maior que as suas aquisições?
Todos somos capazes e, mais do que isto, estamos frequentemente tentados a responder a essas perguntas, quando elas são a respeito de alguém, de qualquer outro, desde que não sejamos nós mesmos. Novos amigos, atividades artísticas, aulas diversificadas e trabalhos sociais são algumas sugestões que Caroline (Fanny Ardant) receberá a todo o tempo, de pessoas próximas ou não, gente que tem o receituário vasto para que os dias do outro sejam belos, mais que os dele próprio. Já que ele não tem o tempo disponível, a situação financeira favorável ou as oportunidades subjetivas que o objeto da sua especulação tem. A vida do outro é infinitamente mais fácil e afortunada do que a nossa própria, não é? A grama ao lado parece-lhe mais verde?
Quando Caroline recebe um vale presente de uma das filhas para se matricular em um clube para idosos o "Belos dias", ela saltará, em pouco tempo, do "presente de grego", ao passaporte rumo a uma nova e definitiva experiência. Sua resistência em se integrar ao grupo, que, inicialmente, parecerá mesmo muito diferente dela, exóticos até, será paulatinamente quebrada e a levará a um outro lado de si, sem os convencionalismos do receituário generalista dos leigos. No clube, Caroline conhecerá um professor de informática, quase com a idade de uma das suas filhas, com quem se relacionará amorosamente. Um romance que trará à vida da protagonista a novidade, as novas cores, a imprevisibilidade e o descompromisso do qual ela há muito parecia afastada. A relação entre os amantes modifica não só a ambos, mas a vida de todos que estão a volta do casal, contrariando a perspectiva de que, qualquer decisão ou atitude, tenha consequências estritamente individuais.
O marido de Caroline, evitará, a maior parte da narrativa, qualquer confronto, parecerá, inclusive, que não desconfia minimamente da infidelidade da esposa, mas a rotina do casal será drasticamente afetada; com os compromissos sociais esquecidos por ela, seus desaparecimentos frequentes, o tempo da aposentada subitamente muito ocupado e a vida familiar que parece perder o lugar de prioridade. As colegas do clube também perceberão o envolvimento de Caroline com o professor e o verão com bons olhos, se sentirão "vingadas" por uma mulher da geração delas não ser a vítima de uma traição conjugal, mas a autora desta. As amantes do professor, funcionárias do clube, também serão afetadas pelo novo relacionamento do jovem com uma senhora, a quem acham velha demais para ele, sem atrativos sensuais.
Enquanto as impressões alheias não parecem afetar o casal, o relacionamento vai bem; com alguns desencontros, algumas dificuldades próprias de qualquer relacionamento amoroso e outras muito específicas: a dificuldade do jovem amante de se comprometer (ou entregar-se) afetivamente com (a) qualquer parceira; a insegurança inicial dela, com o seu próprio corpo e suas emoções afloradas e recentes.
Depois das primeiras dificuldades particulares do casal, eles terão que aprender a lidar com os empecilhos públicos. O primeiro confronto será entre Caroline e o seu marido, que revelará, a partir de um diálogo duro, difícil, e, também, cheio de beleza, que conhece o seu envolvimento amoroso. Magoado, o homem trará à mulher a questão permeada de rancor, que desnudará completamente a personagem central do filme. "- Caroline, você está se relacionando com um rapaz que tem idade para ser seu filho! Você já se olhou no espelho?" Surpreendida, mas altiva, Caroline se define: "- Não, pois é ele que me olha."
Ao dizer que não se olha ou se preocupa em olhar o espelho, Caroline abre mão de ser aquilo que querem que ela seja. Ao evitar a dependência do reflexo da sua imagem, ela ressignifica o objeto, que deixa de ser o olho alheio, que limita, que diz por quais caminhos seguir, para ser mero espectador de alguém que tem a própria vida em suas mãos. Caroline assume seu lugar de pessoa ativa, indiferente a opinião alheia e coloca o lugar do espelho, onde ele deve estar, de objeto, apenas.
A narrativa ainda se desenrolará mais a frente, com confrontos mais interiores e reflexivos, mas, ao mesmo tempo, sem ser pedante ou existencialista demais. A narrativa é leve, cheia de sutilezas, sem grandes impactos ou sobressaltos dramáticos e com personagens bastante singulares. Os belos dias, aqui, são feitos disto: singeleza, melancolia e alegria na medida, sem consultas obcecadas aos cruéis espelhos. E você, olha o espelho ou aprendeu a se deixar olhar por ele?
"Os Belos Dias" (França, 2013)
Direção: Marion Vernoux
Duração: 94 min.
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