Sucesso de público

domingo, 21 de fevereiro de 2016

Não abandone Lili - A Garota Dinamarquesa


Alicia Vikander e Eddie Redmayne

  Qual o meu melhor lado na fotografia? Que palavra você quer me ouvir falar agora? Prefere a minha voz mais suave ou posso ser grave? Com o que em mim você se relaciona mesmo? Que partes de mim você pensa amar? E se eu só for amada pelo que nem sei se sou ou por um fragmento que talvez nem desejo mais manter? A que custos permanecemos sob a mão, ao mesmo tempo, afável e austera do amor? Do quanto abrimos mão para sermos amados, admirados ou, simplesmente, aceitos?

  "A Garota Dinamarquesa" (2016) é uma narrativa sobre a busca da identidade mais profunda, algo que somos impelidos a negar, que nos negam,  mas que precisa muito, algum dia,  emergir, para só assim, dizer quem verdadeiramente somos. O filme dirigido por Tom Hooper, baseado na biografia de Lili Elbe, a primeira mulher transexual  a se submeter a uma cirurgia de transgenitalização, que se tem registro no mundo, é um drama que aborda sobre o quanto pode ser doloroso a revelação de algo que para nós é essencial, mas para o outro parece ser desconfortável, incompreensível e egoísta. Einar Wegener é um pintor dinamarquês, com algum prestígio local, casado com a também pintora Gerda, cuja relação de extrema cumplicidade talvez seja o impulso, que a sua identidade negada, encontrará para deixar que Lili finalmente nasça.  

  Lili Elbe é a essência, implorando por socorro, gritando para não ser sufocada, mesmo que desagrade, que subverta lógicas, mesmo que ao resgatá-la precise enterrar o outro a quem aprenderam a amar. Lili é a identidade que incomoda, que inadaptada sofre com olhares do mundo, com a brutalidade dos que concebem o outro a partir das suas próprias expectativas. Lili é a garota dinamarquesa frágil, sensível e completamente vulnerável, que precisa muito lutar para não voltar para as profundezas de uma alma tão requisitada.

  Na jornada para a afirmação de Lili, ela encontrará em Gerda o amor incansável, o único que irá até o fim, por cumplicidade, comprometimento e um tipo de entrega a que bem poucos estariam dispostos: ver seu amor morrer (Einar) e dar lugar a uma desconhecida. Gerda é a primeira, depois da própria Lili, a reconhecê-la como mulher e ainda que saiba de todos os riscos de uma cirurgia pioneira, será ela a segurar as mãos de Lili em cada dor, das do corpo e principalmente das subjetivas.

  A Garota Dinamarquesa é a luta de alguém para ser o que é. Parece inusitado, mas é isso: a tentativa desesperada de encontrar-se com o que já reconhece em si, mas é estranho ao mundo. O filme tem uma narrativa por vezes arrastada, mas nos diz muito, especialmente pelos olhos melancólicos de Eddie Redmayne (o ator que interpreta Lili), que nos suplica para que não deixemos a garota morrer. Há em todos nós uma garota dinamarquesa que sussurra por vida, que perde um pouco mais de fôlego e força quando fazemos concessões do que somos, esperando amor. Lute pela Lili sublimada, cerceada, calada e invisibilizada que mora em você e respeite, aceite, ame a Lili que o outro também carrega. Não desistam da sua garota dinamarquesa, não há amor que preencha a ausência da própria identidade.


A Garota Dinamarquesa - EUA, Reino Unido e Alemanha (2016)
Direção: Tom Hooper
Duração: 120 min.