Sucesso de público

domingo, 24 de janeiro de 2016

Seja inteira, diria Carol - sobre o filme Carol

  
Cate Blanchett e Rooney Mara

  Os nossos relacionamentos amorosos dizem muito do que somos. Os fins, o tempo de duração, as insistências eventuais ou as desistências prematuras, as lembranças que permanecem ou aquelas que juramos apagadas, mesmo quando ainda ardem dentro. Dizem sobre nós mais do que podemos confessar, desabafar, confidenciar ou levar para a análise, falam por nós no que temos de mais incontrolável, primitivo e puro. "Carol" (EUA, 2015) é um filme-espelho porque aponta o quanto todos nós estamos vulneráveis quando amamos. Carol Aird (Cate Blanchett) é um mulher forte, segura, senhora das suas decisões, uma dama burguesa que assume e sustenta, a altos custos, a escolha por um divórcio em plena década de 50, mesmo assim sucumbe quando ama. Se vulnerabiliza, perde o rumo, se confunde em decisões, a princípio, muito claras. Aird se torna o ser mais desamparado do mundo, mesmo nadando em um mar de profunda paixão; e talvez esse mar só acentue essa sensação de impotência.

  Carol Aird está em meio a um processo de divórcio, tem uma filha pequena, por quem sua delicadeza e suavidade emergem em cena - já que aparência pública de mulher sisuda é a mais recorrente -  tem uma amiga de infância com quem se relacionou amorosamente enquanto seu casamento já parecia sufocar, enfim,  Carol é uma mulher com história. A sua ida a uma loja de departamentos para comprar um presente de natal para a filha a levará ao encontro da imprevisibilidade de uma paixão.

 No balcão da loja,  constrangida ao ser obrigada a  usar um gorro de papai Noel, está a tímida Therese Belivet (Rooney Mara)  uma jovem sem o brilho e a altivez de Carol, vivendo a insegurança de um futuro que não consegue sequer vislumbrar e enredada por um relacionamento com um namorado que parece estar muito mais comprometido em um futuro com ela do que ela com ele ("eu mal consigo escolher o meu almoço", ela diz.). O encontro, que poderia ser ordinário, é o início de uma sucessão de descobertas: de outros olhares, cenários, possibilidades, das limitações e das superações de cada uma delas.

  Carol e Therese são arrebatadas,  desde a troca inicial de olhares, uma pela outra e sob as diferenças que as separam (personalidade, idade, classe social, perspectivas), o controle social do qual serão alvo (porque se a ideia de um relacionamento homossexual ainda hoje é passível de agressões, nos mais diversos níveis, nos anos 50 a questão é de ordem jurídica até) elas se entregarão, ao que para ambas, se mostrará um caminho tortuoso de escolhas, desafios sucessivos e muito crescimento, especialmente para Therese, cuja trajetória parece um pouco mais limitada de repertório. Carol tem mais histórias e mais riscos, porque tem uma filha e lida com a perseguição do marido, que não aceita o divórcio e, ainda, deseja castigá-la pela sexualidade que ela  opta por viver em liberdade e plenitude. Carol não esconde do ex-companheiro seus relacionamentos e ele que conhece a fragilidade maior dela, tenta feri-la afastando-a da filha, para então, dissuadi-la de assumir uma parte da sua identidade com a qual ela é profundamente comprometida.
   
  "Carol" não é um filme sobre amor ou sobre um relacionamento fora das expectativas sociais; "Carol" é um filme sobre a imprevisibilidade do amor e as escolhas que fazemos a partir dele. Carol Aird faz um escolha sofrida , mas também decisiva e a faz porque deseja oferecer o melhor também para sua filha. E ela explica sua escolha com a frase "Que tipo de mãe eu seria, se não pudesse oferecer a minha filha o que sou por inteiro?". O filme fala sobre o quanto  amar é mais do que um amontoado de afinidades, respeito a convenções ou acordos subjetivos, amar implica em grande coragem, oferecer ao amado e a quem nos ama aquilo que somos por completo, mesmo que seja na inteireza das nossas fragmentações.

  "Carol" é um filme sobre muitas coisas: imprevisibilidade do amor, o controle social dos corpos e o desafio a ele, as estruturas que tentam acobertar os desejos, os afetos na sua diversidade, mas é um filme, essencialmente, sobre o quanto estamos comprometidos, ou não, em sermos inteiros para nós e para quem amamos.

Carol - EUA/ Reino Unido (2015)
Direção: Todd Haynes
Duração: 118 min.

Baseado no livro "The Price of Salt" - Patricia Higsmith (1953)