Sucesso de público

domingo, 14 de setembro de 2014

Venha ver a Frances ou a vida, sei lá...


Greta Gerwig

  A linda Nova York, fotografia em preto e branco, boa trilha sonora, diálogos engraçados e, ao mesmo tempo, contundentes - cinema para  para pensar a vida. Vida das personagens da tela ou a das personagens daqui, bem ao nosso lado, pensar na nossa própria; nos caminhos tortuosos que é a tentativa do tão sonhado encontro entre isto que já somos e aquilo que sonhamos ser um dia. Quais sonhos duram? Quais sonhos são apenas projeções infantis das quais precisamos nos soltar; libertar para morarem, finalmente, na memória? Quais permanecerão depois da maturidade? Quando é mesmo que nos tornamos maduros?  Não é Woody Allen, mas poderia ser. Não é Manhattan (1979), mas com a imagem romantizada de uma das cidades mais sedutoras do mundo, um repertório repleto de personagens "amalucados", quase pensei que fosse.

  Entre Manhattan, de Allen e Frances Ha (2013), de Greta Gerwig e Noah Baumbach um universo de semelhanças: a escolha da fotografia em P&B; os personagens neuróticos e, por isso, muitíssimo carismáticos; a reflexão sobre as exigências de uma vida muito atrelada ao sucesso aparente, a aquilo que os outros pensam de nós; a luta interior de alguém que teima em não crescer, ainda que isto seja requisitado o tempo inteiro. Entre tantas semelhanças, uma diferença crucial marca as duas obras: Frances, a protagonista de Gerwig não nos requisita muitos esforços para amá-la, diferente de Isaac Davis, de Woody Allen, a quem amamos com ressalvas. 

  Enquanto Isaac era egocêntrico, neurótico e desperdiçava o afeto que lhe ofertavam em nome de ambições maiores, de relações aparentemente mais proveitosas, Frances é a heroína pela qual qualquer um se apaixona. A mocinha de 27 anos, aprendiz de dançarina, a "Inamorável", alcunha que recebe de um dos amigos e logo assume é, apesar da fotografia bicolor, uma profusão de cores, de tons, de sons alegres e dissonantes. Frances é a bailarina de uma companhia de dança profissional que se destaca, na vida, pela falta de ritmo ou, melhor, pelo ritmo que é só dela. 

  É uma personagem com a qual, fatalmente, nos identificamos. Pela falta de jeito - pelos excessos de afeto com quem não nos retribui e pela falta dele com quem muito merecia; é quem recebe uma bolada e gasta tudo em um só dia e, depois, passa meses economizando para o aluguel; é quem nem consegue arrumar a própria cama, mas precisa muito aprender a organizar a vida; é quem sonha com um futuro improvável, no qual cabe a melhor amiga, enquanto fumam e, antes que o cigarro apague, é abandonada por ela, com cigarro e sonhos na mão. 

  Frances é a heroína que dança, cozinha, faz piadas, convida para jantar com o dinheiro que acaba de receber, brinca de lutas em pleno Central Park e tira as meias, ao se deitar, tudo isto para agradar seus melhores amigos, na tentativa de todos nós em sermos amados. Que some, vai para a casa dos pais para não ser encontrada, omite seus insucessos profissionais daqueles que ama, viaja à Paris por dois dias e se endivida por um ano inteiro, também na tentativa de algum amor; da descoberta de algum tipo de afeto. E em uma confissão embriagada faz uma das melhores descrições sobre a busca de tal amor: “É isso que eu quero em um relacionamento, o que meio que explica porque estou solteira agora. É difícil de explicar. É uma coisa quando você tá com alguém e você ama a pessoa e vocês sabem disso. Vocês estão juntos, mas é uma festa, sabe? Os dois estão conversando com pessoas diferentes. Você tá lá sorrindo e olha para o outro lado da sala e vocês trocam olhares. Mas não porque são possessivos ou que seja algo sexual, mas apenas porque aquela é a pessoa da sua vida. E isso é engraçado e triste, mas só porque esta vida vai terminar. E  é esse mundo secreto que existe bem ali em público, mas imperceptível, que ninguém vai ficar sabendo. É tipo como dizem, uma outra dimensão que existe ao nosso redor, mas não temos a habilidade de notar. Sabe? É isso. É isso que quero de um relacionamento. Ou da vida, eu acho. Amor. Parece que tô viajando, mas não tô…”. O álcool fala bem, através da doce e desajeitada Frances. E Frances encontra este tipo tipo de amor, porque ela sabe o que procura; e, quando identifica é emocionante. 

  A comédia não dói, não deveria mesmo, mas faz pensar em tudo aquilo a que precisamos nos adaptar, sem perder nossos sonhos mais profundos de vista, mas aprender que eles quase sempre precisam de maturidade e tempo para serem construídos de verdade. Frances Ha e Manhattan, em alguma medida, nos dão esperanças. Sem a fantasia de um mundo colorido, mas de cores possíveis de serem vislumbradas em   meio ao preto e branco do mundo real. Frances Ha fala de uma esperança que não  é aquela verde com a qual sonhamos na infância, mas que também é bonita e, o melhor,  é possível.


Frances Ha (EUA, 2013)
Direção: Noah Baumbach
Duração: 86 min.