Sucesso de público

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Alguns perdem mais que os outros - Sobre "Jovens Adultos"

Charlize Theron
  "Não se conhece um livro pela capa", é quase sempre um bom conselho, mas entre reconhecer isto e seguí-lo, há uma distância bastante considerável. E, assim sendo, nos primeiros minutos da trama de "Jovens Adultos" rendo-me a infeliz anti-heroína Mavis Gary, em um misto de pena, desejo de redenção e "vergonha alheia", e por isto, justifico quase todas as sucessivas trapalhadas que a personagem de Charlize Theron se envolve. Isto somente no começo da narrativa, até que, as atitudes de Macy se tornem cada vez mais injustificáveis.

  Macy Gary está recém divorciada, é uma "ghost writer" (autora que escreve, mas não assina) de um sucesso adolescente em franco declínio. É bonita ("linda de doer", na verdade), aparentemente bem sucedida, mas visivelmente infeliz. E talvez em razão dessa melancolia atraente, que Macy cative o incauto espectador. Em uma decisão aparentemente súbita, depois de receber um e-mail genérico de seu ex-namorado, com o convite para conhecer sua filha recém nascida. Macy decide "fugir" da infelicidade que a cerca e viaja rumo ao que abandonou um dia, seu passado na pequena cidade de Minnesota, EUA. De maneira mais específica: Macy parte em missão, para salvar o ex-namorado, da vida pacata na cidadizinha que ela tanto despreza. 

  Nos "bastidores" dessa viagem é que, aos poucos, Macy começa a ser desmascarada, sua "beleza grega" é, na verdade, um amontoado de próteses estéticas (capilar, de seios, quilos de maquiagem), os diálogos dos seus livros para "jovens adultos" (eufemismo para "infanto juvenil") são "roubados" de conversas adolescentes reais que ela sorrateiramente ouve e transcreve. A Macy cotidiana é triste, despreocupada com a sua aparência, é desprovida de qualquer gentileza e simpatia, mas "traveste-se" de uma mulher bonita, bem sucedida e quase feliz, para reencontrar-se com Buddy (seu ex-namorado), a personificação dos seus áureos tempos de escola. Seu primeiro reencontro, ao chegar à cidade, no entanto é com o "desconhecido" Matt, colega de escola, de quem a popular aluna, de início, não se lembrará. Matt e Macy serão a inesperada e improvável dupla responsável pelas maiores reflexões que o filme despertará.

  "A rainha da beleza" dona do trófeu de "cabelo mais bonito" da escola - que por ironia sofre de tricotilomania (mania de arrancar os próprios cabelos), talvez em uma alusão a seu comportamento autodestrutivo (em uma análise mais profunda: fruto de uma conduta que a levará à morte social, solidão e depressão imposta a si mesma; Macy não se sente merecedora de nenhuma benesse que a vida lhe dê.) - será amparada por Matt o colega nerd da escola, que carregará os traumas e sequelas de um espancamento coletivo pelos atletas da escola, os "amigos" de Macy. Esses dois "infelizes", aos poucos revelarão muitas similaridades, até então, impensadas. Ambos são incapacitados pelas suas "deficiências", a de Matt, que é física acabou-se ampliando para o campo emocional, rancoroso, magoado, ele "decide" não superar o passado, pelo contrário, suas justificativas para uma vida incompleta e precária estão atreladas à violência sofrida; já Macy tem a deficiência do afeto, ela é incapaz de amar alguém (nem família, cachorro ou Buddy), alguma coisa (está em crise profissional e parece só fazer pelo dinheiro) ou algum lugar (sua cidade natal é seu inferno pessoal, a cidade atual é só um meio para o sucesso); ambos dividem um desprezo para os com "felizes sem razão", sujeitos que convivem bem com as "ausências" que a vida impõe, o deficiente físico, o morador comum de Minnesota, enfim qualquer ser ordinário, que aprecia a própria vida. Unidos pela infelicidade a dupla nos despertará para o questionamento: Quantas deficiências carregamos e quantas superamos?

  Depois de uma série de eventos vexatórios e que talvez servisse como um degrau para o crescimento de qualquer um de nós, Macy despreza o aprendizado e segue sendo o que sempre foi: "rainha de coisa nenhuma", incapaz de aprender, crescer ou se libertar da dura pena que é a de ser completamente desprovida de afeto e doação. Macy não tem sua redenção, por opção própria, o filme não tem final feliz e por isto é maravilhoso. "Jovens adultos" é um tratado bastante atual sobre personagens que crescem, mas não amadurecem, o filme desperta para a dura, mas necessária reflexão: o quanto estamos perdendo, enquanto só queremos ganhar. O quanto estamos presos a uma imagem fantasiosa que fazem de nós mesmos e nos esquecemos de quem somos, quando sozinhos, trancados no nosso apartamento. Ser feliz está muito longe de "parecer feliz", não há prótese possível para a falta maior, que é a de faltar-se a si , não há extensão artificial para a falta de volume no espírito, nem maquiagem que transforme uma alma precária. Doar-se, sem pedir nada em troca é a maneira mais genuína de ampliar ganhos, mas isto é coisa para adultos, que mais do que crescer, amadureceram de fato. O filme é perturbador, pessimista e, finalmente, altamente recomendado.


"Jovens Adultos" (EUA, 2012)
Direção: Jason Reitaman
Duração: 94 min.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Escolha o seu lado - Sobre "O lado bom da vida"

Bradley Cooper
  
  No jornal local as sinopses dos filmes em cartaz não são nada confiáveis, mas ele é, ainda, a minha maior fonte de "consulta" sobre o assunto, porque a informação quanto ao horário das sessões é, até hoje, preciso. E é tudo o que eu realmente desejo saber sobre um filme antes de vê-lo. 
  
  O gênero, de acordo com a publicação, é comédia romântica, disso também desconfio, só no último mês, dois dos filmes que vi, não correspondiam ao gênero anunciado na coluna. Que seja, gosto de surpresas. A companhia para o programa também não podia ser melhor, assistiu o filme duas vezes, em casa, e quase nada me revela sobre ele. Ela gostou, possivelmente eu também goste. Não sou exigente e gosto, sem medo algum de admitir, muitíssimo de comédias românticas (não julguem-me por isto!). Não preciso justificar meus gostos, tampouco este até bem comum, mas ainda assim o faço: afora as análises muito rígidas sobre tal estilo de filme "mulheres gostam porque este gênero de película repetem os modelos dos contos de fadas infantis, em que um 'príncipe encantado' surge para salvar a mocinha de um mundo de infortúnios"; carrego comigo a crença de que as comédias românticas são o bálsamo em meio a uma vida de dureza, obrigações massantes e uma realidade cruel, imperfeita e permeada de desencontros. Tal gênero, a mim, possibilita algumas horas de uma respiração descomprometida fora do meio, tantas vezes, sufocante, que é a vida cotidiana. Happy ends cinematográficos são a visão, ainda que perecível, de uma paisagem otimista. O filme, no entanto, adianto para quem não viu, não é uma comédia romântica e sim dramática. Neste caso, a informação imprecisa não comprometeu. A mim, fez um "efeito" de comédia romântica, com os impactos que acabei de listar.

  "O lado bom da vida", é uma adaptação do primeiro romance do professor de inglês Matthew Quick. O filme, sucesso de público (indicado a oito categorias do prêmio Oscar de 2013) conta a estória de Pat Solitano (Bradley Cooper) e se passa em um típico subúrbio americano. Inicia-se com a saída dele de um hospital psiquiátrico, ainda que não recomendada pelos médicos, mas autorizada e muito desejada pela sua mãe. Pat, diagnosticado com bipolaridade, precisa se adaptar a um nova vida, repleta de limitações: sem esposa, de quem está judicialmente proibido de aproximar-se; sem emprego e sem a própria casa, além , é claro, da rotina enfadonha do próprio tratamento, com visitas ao terapeuta e medicação controlada. O retorno de Pat ao convívio social, é dos mais comoventes, o "otimismo químico", a falsa sensação de retomada do tempo perdido, a emoção da família em vê-lo de novo, o desconforto dos amigos que não o visitaram e as suas desculpas tão pouco verídicas, tudo está lá. 

  Obcecado pelo retorno da "vida anterior", pela mulher, a qual torna-se a grande meta e objetivo de "cura" e evolução, Pat nos rouba o coração, sensibiliza e nos força a algum tipo de identificação. Seja pela fragilidade (no seu caso a doença psíquica), pelos momentos de euforia intercalados com depressão e fúria, seja pela vontade genuína de ser melhor para alguém. Aos poucos somos apresentados à família, amigos e, finalmente, à dinâmica a qual Pat precisa se adaptar: a mãe amorosa, abnegada e excessivamente zelosa; ao pai jogador compulsivo, rígido, claramente afetado pelo TOC, ao irmão tosco, não suavizado por qualquer verniz de sofisticação ou delicadeza, ao melhor amigo, cheio de boas intenções, mas completamente controlado pela mulher. Pat receberá ainda as visitas do amigo da clínica, em fuga, frequentemente, e conhecerá Tiffany (Jennifer Lawrence), com quem veremos aflorar uma relação conturbada, mas, ao mesmo tempo, delicada, enriquecedora e repleta de entendimento mútuo.

  Pat e Tiffany, aos poucos formarão um casal,  bem pouco convencional, é verdade, mas muito promissor. Pois ambos são a doença e a cura; o que impede e o que impulsiona; são a loucura e a sanidade; agressividade e sutileza; são ódio e amor, tudo junto, ao mesmo tempo e aprendem um com o outro a dinâmica de uma relação muito própria. À certa altura do filme, compreendemos que os sonhos de Pat Solitano não são passíveis de realização e o passado de Tiffany não poderá ser apagado, mas isto nem ela mesma deseja, quando diz a frase emblemática: "eu tenho um lado sujo e gosto dele também" e Pat descobrirá outras metas, outros sonhos, outros motivos para desejar melhorar.

Não sei se pela sensação de comédia romântica, não sei se pela dança (que adoro) - Tiffany e Pat participam de uma competição - não sei se pela trilha sonora  pouco convencional, com destaque para "Girl from de North country", de Dylan e Cash, pela interpreyação de Robert De Niro, com quem sempre me emociono  ou mesmo pelo tema, mas "O lado bom da vida" conquistou meu coração.

  O filme nos faz pensar que, amar, é também entrar na loucura de quem se ama, para só assim ser possível tirá-lo de lá. Amar, inclusive, é respeitar e nunca temer a loucura alheia, nem a própria. Que o sucesso da última dança não consiste em dançar um único estilo com perfeição, mas somente o suficiente de uma variedade maior de estilos. Em um mundo cada vez mais exigente, mais apegado à perfeição, ser razoável talvez seja a maior fonte de felicidade. O lado bom é muito mais o olhar que ofertamos para cada situação, do que a situação em si. Nisto o filme não é nem um pouco trivial. Meu coração ele já tem e, só por isto, eu já daria o Oscar para ele. Porque, para meu entendimento, eis a maior propósito do cinema: emocionar. A mim, por estas e outras infinidades de razões que jamais poderei explicar, o filme tocou.


O Filme: "O lado bom da vida" (EUA, 2013)
Diretor: David O. Russel
Duração: 122 min.

O Livro: "O lado bom da vida"
Autor: Matthew Quick
N° de páginas:256



terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Sonhos que movem - Sobre "os Miseráveis"

Anne Hathaway

 Como recontar uma estória escrita há mais de um século (1862), já  com dezenas de adaptações para o cinema, televisão e teatro e ainda assim despertar um crescente interesse do público contemporâneo, aparentemente cada vez mais ávido por novidade? Como a adaptação de uma adaptação (o filme é a adaptação,  do musical da Broadway "Les Misérables", de 1987, adaptada da obra de Victor Hugo) pode ser tão bem sucedida entre o público e crítica e ganhar novos fãs a cada dia? Como um musical, com duração de quase três horas, pode "aprisionar" até um espectador pouco simpático aos musicais, na cadeira do cinema? Como em uma única fita abordar temas, aparentemente tão diversos, como: injustiça, perdão, redenção, fé, ideologia, política, amor romântico e, ainda assim, dar conta de todos eles, sem "atropelar" o espectador?

  O sucesso de "Os miseráveis"(2013), parece-me ser a linha discreta, porém visível, que alinhava a emocinante saga de Jean Valjean, condenado a uma dura pena por roubar um pão para alimentar o sobrinho faminto, que encontrará sua redenção no amor fraterno de um religioso que possibilita uma nova chance ao homem injustiçado. A linha que costura as estórias do filme (o recomeço de Jean Valjean, a obstinação do inspetor Javert em prender o "fugitivo" Valjean, o triste destino de Fantine, a adoção de Cosette, a ambição sem limites dos Thénardier, o amor não correspondido de Éponine por Marius, a revolução francesa, a reciprocidade de afeto entre Cosette e Marius e, finalmente, o desprendimento de Jean Valjean, para que a filha conhecesse a felicidade) é a, algumas vezes trágica, mas sempre propulsora linha chamada, sonho. Em " Os Miseráveis" todas as personagens são conduzidas e, mais, impulsionadas, pelos próprios sonhos. Seja de maneira mais individual (Fantine que sonha em ter por perto a filha Cosette) sejam aqueles mais coletivos (como os ideais dos revolucionários franceses), todos lutam por algum sonho. Alguns caírão durante a dura batalha, outros poucos permanecerão de pé, mas todos experimentarão a força que move a humanidade - o sonho. 

  E, é exatamente através desta "linha" que um dos musicais mais emocionantes do filme será conduzido, a cena de Fantine (a incrível  e afinadíssima Anne Hathaway) cantando um dos temas mais bonitos de todos os tempos, a linda "I Dreamed a Drem") é tocante. Para quem conheceu-a na voz da até então desconhecida e estranha caloura do famoso show de talentos inglês, Susan Boyle, há anos atrás, talvez emocione-se ainda mais. Porque a memória subjetiva trará à superfície, a história também triste de uma personagem real, cujo sonho torna-se motivo de vergonha, juntamente com a personagem de Victor Hugo, que tem seus sonhos despedaçados, ambas, por um momento, dividem  a mesma perspectiva. É como se Susan e Fantine carregassem um pouco de nós em cada desilusão, cada triste derrocada e nós as trouxéssemos conosco em cada sonho nosso, ainda possível.  Por apenas uma linha tênue o fracasso e o sucesso, de um lindo sonho, estão separados.

  Emocionante também é a estória de Éponine, personagem cujos modelos familiares negativos não são capazes de torná-la egoísta ou má. A filha dos Thénardier não mede esforços para ver seu amado feliz, ainda que isto signifique estar ao lado de alguém que não ela. Este amor abnegado também é virtude de Valjean que mesmo desejando a companhia de sua amada filha Cosette, decide deixá-la viver seu amor com Marius, protejendo-a de seu passado obscuro.

  Suspeito que poucos são os que não se emocionarão. Terminado o filme, saímos do cinema com a forte sensação de que miseráveis mesmo são os que nunca sonham, que nem ao menos têm a possibilidade de verem seus sonhos despedaçados. Miseráveis são os que não deixam-se impulsionar por um grande sonho.  Existe maior pobreza que falta de sonho?


Em tempo: Lembrar-se de Susan Boyle ao assistir ao filme não é uma simples "brincadeira do destino". Li isto, ontem:  http://caras.uol.com.br/data/oscar-2013/post/susan-boyle-motivou-a-adaptacao-de-os-miseraveis-para-o-cinema-diz-produtor-teatral#image0

"Os miseráveis" (Reino Unido, 2013)
Direção:Tom Hooper
Duração: 158 min.