Sucesso de público

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Há alguma luz no fim do túnel? Sobre "Dançando no escuro"

Björk
  
  O cinema, pelo menos na sua origem, é intrinsecamente um meio de entretenimento, ainda que historicamente tenha sido utilizado para uma diversidade infinita de outros objetivos. Entre eles, propagar ideias, "vender" estilos de vida, denunciar, documentar. No entanto, há um gênero cinematográfico reconhecidamente atrelado ao "dom de iludir", do enganar, de nos "roubar" nosso espaço real e nos fazer transcender a um mundo inventado. O musical. No mundo dos musicais os personagens não andam apressadamente ou displiscentemente, como na vida daqui, eles dançam, flutuam e bailam sequências estrategicamente coreografadas; os diálogos puros não bastam, e por isso, ou são completamente substituídos por canções ou se intercalam entre os longos números musicais.

  Porém, Lars Von Trier, o polêmico diretor sueco, subverteu este senso comum, aliás, subverter deve ser mesmo a palavra de ordem do diretor, haja vista sua longa lista de obras, no mínimo, não-convencionais. Em "Dançando no Escuro" (2000), Trier não deseja iludir, não apresenta uma estória tipicamente romântica, tampouco uma comédia, o que assistimos enche-nos de dor, tristeza e, em algum grau, revolta e também ternura.

  Selma (Björk) é uma operária, mãe solteira, imigrante tcheca que vai para os Estados Unidos em busca de um futuro melhor para o único filho. Com uma doença genética, que seu filho também herdou, Selma está perdendo a visão e para pagar uma cirurgia que poderá salvar seu filho do mesmo destino, o do escuro total, ela vive miseravelmente poupando cada centavo e trabalhando incansavelmente. Björk, a exótica cantora islandesa, encarna uma das figuras mais doces, ternas, abnegadas e otimistas da história do cinema e por isso, não há como não amá-la, não há como não torcer apaixonadamente para que sua estória tenha um "happy end". Selma ainda conta com o apoio de uma colega operária, Kathy, papel interpretado por uma surpreendente Catherine Deneuve, conhecida mundialmente pelos seus personagens mais glamourosos e de seus vizinhos, aparentemente, solidários, Linda e Bill.

  No entanto, como em toda boa trama, há o "outro lado" da moeda. Se não bastassem as dificuldades financeiras, as preocupações com o filho e a crescente debilidade da sua saúde, Selma ainda terá que conviver com gente "muito real", aqui no sentido pejorativo do termo. Pessoas, cuja pópria fragilidade, serve de justificativa  para aproveitar-se da ingenuidade e confiança do outro.
Em meio a graves dificuldades financeiras, o vizinho de Selma, Bill, rouba-lhe todas as economias, o que culminará em uma série de trágicos acontecimentos.

  A estória é triste, é melancólica e muito antiilusionista. Então, porque Lars Von Trier, optou por um musical? Além de "desconstruir" todos os conceitos que conhecíamos serem póprios dos musicais, o diretor ainda nos presenteia com o olhar de Selma frente à vida dura, difícil e, tantas vezes, insuportável. A "vida musicada" é a fuga de Selma, é a maneira mais delicada de suportar a sua própria vida. E, é Selma quem "entrega" a escolha de Trier:"Eu costumava sonhar que estava num musical, porque num musical não acontece nada terrível."

  Não sei se há alguma luz no final deste túnel, que muitas vezes parece ser a história humana, mas feito Selma, não canso de abafar os diálogos cotidianos em belas músicas e sapatear alucinadamente, em meio a multidão que corre frenética. Embora, depois da obra de Lars eu já não tenha mais a convicção de que em musicais não aconteçam coisas terríveis...



"Dançando No Escuro (Holanda, Suécia, Dinamarca, Finlândia, Islândia, Alemanha, França, EUA, Reino Unido e Noruega)- 2000
Diretor: Lars von Trier
Duração:139 min



segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Cada um descobre seu jeito - Sobre "Reencontrando a Felicidade"

Nicole Kidman

  
"Cachorro persegue esquilo, criança persegue cachorro. Não há culpa". Com essa frase, em uma constatação banal, vemos uma mãe "absolver" o "assassino" do próprio filho. O filme é pesado, quando nos aproximamos desta mãe perdida, abalada e completamente "sem chão" com a morte de seu filho único. A mãe Becca (Nicole Kidman) tem, e o filme não nos esconde isto, uma série de defeitos: cética, agressiva, intolerante. Se recusa a participar de grupos de autoajuda; se revolta com a comparação da sua própria mãe, que também perdeu um filho, na tentativa de consolá-la; rechaça a aproximação do marido; deseja esquecer as memórias do filho morto. Enquanto o marido Howie (Aaron Eckhart), sucumbe aos caminhos aparentemente mais "tradicionais" do luto.

  A trama, para quem está acostumado ao dinamismo dos filmes norte-americanos (com reviravoltas, surpresas e "happy ends") acredito que não agradará, porque parecerá "lento" demais. Aqui, quem brilha são os diálogos, tão acertados, tão brutais e ao mesmo tempo, tão sutis. Os personagens, especialmente a Becca, de Nicole Kidman, é a figura mesmo de alguém cuja perda enorme, abala as estruturas mais profundas de perspectivas, projetos, valores e crenças. A mulher dura com a família e os amigos "pós-perda do filho", é doce, indulgente e receptiva com o garoto que atropelou e matou, acidentalmente, seu amado filho. E é nesta aproximação inesperada que vemos a possibilidade de "reconstrução" de Becca e do garoto Jason ( Milles Teller). Howie é o outro lado da balança, o personagem do pai "em luto" e, até certo ponto, o sensato, mais estável. Cuja dor é falada, demonstrada sem receio e, de certa maneira, com alguma aceitação. A mãe de Becca (Dianne Weist) também é uma ótima perspectiva a ser contemplada. Vê a filha sofrendo a perda de um filho, assim como ela também um dia sofreu, perde seu único neto e na tentativa de consolar a filha, é rejeitada.

  A obra é um exercício constante de empatia e identificação; para os espectadores mais  habituados a este tipo de drama psicológico, há algum sofrimento também. E a medida que a trama avança enxergamos a possibilidade desta família despedaçada se "reencontrar", embora não haja mesmo, no filme, um definitivo "Reencontro com a felicidade", assim como na vida. A trama "ensina" (sem pretender ser didática), o que há muito sabemos: a dor é uma experiência única e pessoal e para a sua "saída" só mesmo cada um de nós poderá estabelecer seus caminhos.


"Reencontrando a Felicidade" (Rabbit Hole, EUA,2010)
Direção: John Cameron Mitchell
Duração: 91 min.


segunda-feira, 15 de outubro de 2012

As cerejeiras ainda estão em flor - Sobre "Hanami"


Elmar Wepper e Hanellore Elsner

 O cartaz agradou-me, a tarde de uma terça-feira ociosa me possibilitava alguma atividade de entretenimento, tinha comigo uma amiga igualmente descomprometida com qualquer responsabilidade urgente. Não gostei da sinopse, mas arrisquei-me e entrei na sala do cinema quase deserto. O filme era "Hanami - Cerejeiras em flor". Uma produção franco-alemã de 2008. 
Não arrependi-me sequer por um segundo, a produção correspondia ao cartaz tão delicado e deixava a sinopse, mais uma vez, "anos luz" da sua real dimensão.

  Logo no início da trama compartilhamos com Trudi (Hanellore Elsner) de uma informação secretíssima, seu marido Rudi (Elmar Wepper) tem uma doença terminal, terá poucos meses de vida. Os médicos sugerem que Trudi seja cuidadosa ao fazer tal revelação ao marido e ainda aconselham-na a viver da maneira mais prazerosa possível os dias que lhes restam juntos. Abalada, Trudi convence seu marido a fazerem uma viagem, primeiro para Berlim, onde dois dos filhos do casal moram e depois para o litoral. Na capital alemã, o casal de idosos não é tão bem recebido quanto poderíam esperar. Os filhos e netos com suas pertubações e atividades cotidianas dispensam pouca atenção aos dois, requisitam uma rapidez de ações e pensamentos que a idade limita e uma compreensão que ainda esta longe da realidade do casal interiorano. A simples hospedagem transforma-se em um fardo para os filhos. E aí, a sensibilidade da obra, a possibilidade do espectador se colocar no lugar do casal de terceira idade. Mais uma vez, o poderoso cinema nos aproxima de um dilema tão real, tão atual. Aos poucos, a minha empatia pelo casal é crescente. Enquanto divido um biscoito salgado recheado de tomate, com a amiga, as primeiras lágrimas começam a rolar. Trudi e Rudi um casal de meia idade solitários, magoados seguem para o litoral, para a última viagem que fariam juntos. Depois de passarem uma noite no hotel, Rudi, o marido, acorda, abre as cortinas, aguarda alguns minutos, que a mulher desperte, até se aproximar dela e perceber que sua esposa havia morrido. A morte estava decretada para Rudi, mas é Trudi que parte e deixa o marido completamente perdido.

  Segue-se a despedida dolorida de Trudi e depois uma tentativa desesperada de Rudi voltar ao seu cotidiano. Mas, depois de anos de matrimônio, de uma esposa que facilitava todas as atividades do marido, ele percebe que sem Trudi não há cotidiano possível. Ao mexer em algumas lembranças de Trudi, Rudi confronta-se com a paixão da sua mulher pelo Butô, uma dança típica oriental, que tantas vezes o próprio Rudi questionou, porque lhe parecia tão exótico. Perdido, o homem encontra no desejo de sua mulher, uma forma de manter-se próximo a ela. E de certa forma, desculpar-se com ela por anos de anulação dos seus próprios sonhos para correponder às expectativas dos filhos e do marido. Decidido, segue até o Japão, onde o terceiro filho do casal mora, para conhecer o Monte Fuji, sonho de sua mulher, e aprender o Butô.

  O terceiro filho, assim como os outros dois de Berlim, reage com total desprezo e impaciência com a inesperada visita do pai. O agravante aqui é o visitante estar em um local geografica e culturalmente tão diverso do seu habitual. É possível compreendermos a sensação de deslocamento e inadequação que Rudi sofre. Na capital japonesa vemos um homem determinado a realizar os desejos secretos de sua mulher; ele assiste ao "hanami" festival que ocorre uma vez por ano, quando as típicas cerejeiras no japão estão em flor. Em uma praça pública conhece uma jovem artista de butô, que o ensina alguns fundamentos e, finalmente, segue com ela até o Monte Fuji.

  Na viagem de Rudi, Trudi é a mais importante. É uma viagem de despedida de um amor, um casal, uma vida inteira em comum. É a redenção de Rudi, sempre tão seguro e previsível, se arriscando para realizar o sonho de sua amada Trudi, é o retrato da vida moderna requisitando cotidiano, rejeitando o antigo. As cerejeiras em flor é um simbolismo bastante oportuno para o que vemos na tela, a vida belíssima, brilhante, colorida e efêmera. Tudo passa, o filme, as flores na cerejeira, o biscoito recheado com tomates secos, a tarde ociosa, a companhia descomprometida e, finalmente,  a vida. Saio da sala com os olhos marejados, mas confortada pela poesia na tela. Olhe para fora, as cerejeiras estão em flor, em todo lugar, apontando para a efemeridade que é esta vida.

"Hanami - Cerejeiras em Flor" (Alemanha/ França - 2008)
Direção: Doris Dorrie
Roteiro: Doris Dorrie
Duração:127 min

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

O drama era comédia - Sobre "Intocáveis"

François Cluzet e Omar Sy
  
  "Drama francês"...não leio o resto da sinopse, não há outras grandes opções em cartaz. É francês, é um drama, duas palavras lidas, duas possibilidades de acerto. O filme começa, há uma perseguição policial, o motorista segue acelerando, o carro é parado, o homem convence os policiais que se trata de uma emergência, o passageiro começa uma crise, ambos são escoltados pela polícia até o hospital e depois de alguns minutos, a farsa é desfeita para o espectador.

  "Intocáveis" (França, 2011) é o filme francês mais visto no exterior, ultrapassando o marcante e gracioso "O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2001), a informação eu descubro depois. O certo é que o sucesso não é uma injustiça. O filme é delicioso. O drama é na verdade uma grande comédia, mas é francesa e talvez por isso a confusão do jornal local que o classificou como drama. Filme francês foge dos padrões hollywoodianos, estes mais popularizados. O estilo europeu de fazer cinema é tão classudo quanto a culinária, a moda, a música, é sutil, econômico e "limpo";comédia francesa, à primeira vista pode até ser confundida com drama.

  Um homem vai a uma entrevista de emprego, sem desejar minimamente a vaga. Espera ser rejeitado, conseguir um simples carimbo no seu documento, a fim de garantir o recebimento do seu seguro desemprego. O homem é Driss (Omar Sy) um ex-presidiário, petulante, impaciente e imprevisível. O emprego é em uma requintada mansão francesa e o chefe, Philippe (François Cluzet), um homem com sérias limitações físicas, consequência de um trágico acidente, essa informação será conhecida mais tarde. Driss rouba um objeto de decoração da casa, demonstra suas reais intenções, mas recebe uma proposta financeira irrecusável para ser o "cuidador" de Phillipe, além de também ser movido pelo desafio pessoal proposto pelo futuro chefe. Perguntado o porquê da escolha de Driss como funcionário, o rico empresário justificará sua inesperada decisão com a frase "estou cansado que tenham pena de mim."

  Phillipe está certo, Driss é um grosseirão, aparentemente insensível, chegando aos limites do politicamente incorreto ao tratar o seu chefe/paciente. Não demonstra compaixão, generosidade ou o mínimo de altruísmo, ele tem o seus "próprios" problemas com os quais deve se ocupar. E, a beleza da estória tem seu início, quando assistimos a convivência profissional transformar em uma rica, inesperada e emocionante aproximação pessoal. A dupla passa a apresentar e experimentar os variados gostos de cada um: comida, música, programas e opiniões. Em uma sociedade visivelmente estratificada (Phillipe é o rico tradicional e Driss o imigrante pobre) o filme comove quando ambos são colocados em um mesmo patamar. Não existe professor ou aluno; vítima ou algoz, explorador ou explorado, feliz ou infeliz, os dois personagens exercem ora um papel, ora outro.

  "Intocáveis" toca fundo quando indica que a redenção não é papel do santo, do divino, de alguém preparado para esta função. Pelo contrário, a salvação é humana e pode vir de quem menos esperamos, das maneiras mais improváveis. A relação é de reciprocidade, mas com conflitos. De experiência, sem hierarquia. É um filme de amigos que há pouco se conhecem e que, provavelmente, não compartilharão tempos futuros, mas a experiência ainda assim é definitiva, porque é intensa e sincera. O drama de "Intocáveis" é só mesmo fora das telas, é quando percebemos quanto tempo perdemos nesta vida, achando que tudo é um drama, quando era só comédia. Talvez seja só uma comédia francesa e a gente aqui "classificando" como drama...

"Intocáveis"(França, 2011)
Direção: Olivier Nakache e Eric Toledano
Duração:112 min.



segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Sobre "Histórias cruzadas"

Octavia Spencer, Emma Stone e Viola Davis
 
  "Às vezes a coragem pula uma geração", a frase da mãe da protagonista da estória, Skeeter (Emma stone) é uma  sutil admissão de culpa e ao mesmo tempo reconhecimento pela "causa" que a sua filha assume.
  "Histórias Cruzadas" (EUA, 2011) tece um importante panorama da sociedade sulista americana da década de 60. Em meio a um forte conservadorismo, repleto de segregações: social, de gênero e racial, somos apresentados a uma típica figura que destoa dos padrões. Emma Stone interpreta a recém formada Skeeter, sonhadora, com ambições profissionais, após sua volta da faculdade, além de procurar um lugar no mercado de trabalho que sonhou (como jornalista), ela ainda busca se adaptar aos costumes do lugar onde nasceu. Sob os olhares e críticas da mãe rígida e das amigas, agora donas de casa "modelo", extremamente preconceituosas ela passa a ser alvo das mais variadas tentativas de se "enquadrar" na sociedade da qual faz parte. 

  O primeiro emprego de Skeeter no jornal local, desenha um pequeno retrato dos obstáculos que uma  jornalista mulher tinha de superar para exercer sua profissão; a coluna que lhe oferecem versa sobre "assuntos domésticos". A moça precisa responder às dúvidas de  donas de casa, que chegam em cartas. Por desconhecer absolutamente o assunto ela solicita o auxílio da empregada de uma de suas amigas, Aibeleen (Viola Davis).

  E é a partir das enfadonhas reuniões sociais que passa a frequentar, das conversas recheadas de convicções tão diversas às suas, do seu olhar crítico a respeito das relações entre as "senhoras" e as suas criadas, que ela encontra personagens e cenário ideais para escrever uma estória suficientemente interessante para ser publicada. Skeeter se propõe a relatar o lado "mudo" da relação "patroa e empregada" e para dar voz a esse grupo ela utiliza-se da sua pequena aproximação com Aibileen, que experiente parece-lhe repleta das boas estórias das quais está atrás.

  Inicialmente, Aibeleen resiste às questões mais profundas e controversas, afinal sua relação profissional tem como característica preponderante a discrição. Porém, a partir da demissão de sua amiga Minny (Octavia Spencer) e da humilhação diária a qual vê sua classe ser submetida ela resolve que é preciso que alguém fale, abrindo uma possibilidade de mudança. Sketeer, em busca de mais estórias e um número maior de personagens, utiliza-se da respeitabilidade que Aibeleen tem perante ao seu grupo para angariar novos depoimentos. 

  A partir das reuniões na casa de Aibeleen, somos convidados a conhecer o "mundo das empregadas domésticas" da sociedade norte americana dos anos 60, com uma carga elevada de dramaticidade e pitadas de humor, as estórias dessas mulheres destituídas de diretos simples como: liberdade de escolha, arrancam lágrimas, despertam alguma revolta e muita empatia.

  Embora a relação de Skeeter e Aibeleen se torne cada vez mais estreita e terna (com alguma cumplicidade), para mim, uma relação secundária, de personagens também "menos" destacados tocou mais fundo. A da empregada Minny e da recém casada Celia (Jessica Chastain). Minny é a personagem mais admirável da narrativa, é cheia de personalidade e contraria os adjetivos que agradam as "senhoras", o da submissão e  da aceitação de sua condição. E. é por isso que é demitida da casa em que trabalha e encontra muita dificuldade de conseguir um novo emprego. Em função de uma vida duríssima (inclusive é vítima de violência doméstica) Minny resiste em confiar e estabelecer uma relação mais próxima com Celia, sua mais recente patroa.
  Celia, é a outra personagem com a qual também compartilhei minha empatia. A moça pobre casa-se com um rico herdeiro, após engravidar e além de sentir-se obrigada a se adaptar a  sua  nova classe e sociedade, ainda deseja muitíssimo ser aceita pelos "iguais" de seu marido. É aí, que percebo a luta mais sutil e difícil. No caso de Sketeer ela se apoia nas suas ambições profissionais, na experiência que adquiriu na faculdade e na família bem estruturada para, mesmo sem ser aceita, se firmar na sociedade que a repele. Aibeleen se fortalece a partir da própria vivência, de sucessivas ausências e na memória do filho morto. Mas Celia não tem nada que a mantenha de pé, somente a amizade com Minny, conquistada à duríssimas penas, poderá confortá-la em meio a tanta rejeição. Por isso, é com essa relação e com essas duas personagens que mais me emociono.

  O filme, ainda que traga alguns contundentes conflitos, é bastante leve, esperançoso e otimista. É uma perspectiva necessária, que deve mesmo ser conhecida. Porém, ao meu gosto, deixa a desejar no desfecho; o livro com a "Resposta" (nome da obra de Kathryn Stockett que serviu de inspiração ao filme) das empregadas é lançado, é um sucesso. As colaboradoras recebem alguma quantia monetária, Skeeter segue para Nova York em busca da carreira tão sonhada, Celia é finalmente amparada. Há nestes finais uma sensação de "happy end". Mas, e a modificação mais profunda, naquela sociedade tão afeita a aparências? E os problemas de uma classe tão desprovida de respeito e direitos? Para elas não há um final verdadeiramente feliz, nem sequer a menção dessa falta.  Após o seu término, minha percepção é que para o filme só Skeeter é verdadeiramente importante.

  No entanto, há outras perspectivas que considero muito positivas: a tentativa das amigas e da mãe de Skeeter de moldarem-na seguindo os padrões daquela sociedade (cabelo, roupas e comportamento) e quando ela sucumbe as esses modelos ela perde toda a sua graciosidade, aquilo que faz dela tão especial, moral da estória: seja você mesma, ainda que isto custe a antipatia de alguns; a redenção de Aibeleen pelas palavras, a empregada sempre tão contida, calada e discreta conquista algum espaço quando deixa de lado o que esperam dela como profissional e  se "posiciona"; a amizade e afinidade entre pessoas aparentemente tão diferentes (Celia e Minny). Enfim, não é nenhuma grande obra cinematográfica, mas há  no filme, estórias que valem a pena serem conhecidas.

O Filme: Histórias Cruzadas, (EUA, 2011);
                 Direção: Tate Taylor; Duração:146 min

O Livro: A resposta
              Autora: Kathryn Stockett; N° de páginas:574