Sucesso de público

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Precisamos falar "mais" sobre o Kevin

Tilda Swilton e John C. Reilly
  
  Um "soco no estômago", extremo desconforto e pertubação, acho que são bem essas as sensações iniciais do espectador ao acompanhar o drama desolador de Eva (Tilda Swilton), no excelente "Precisamos falar sobre o Kevin" (EUA, 2011). E só mais tarde podemos então, articular os elementos essenciais da ficção para uma reflexão tão necessária, especialmente nos últimos tempos, da sociedade em que vivemos.

   O filme, originado do romance de mesmo nome lançado em 2003, começa com uma narrativa em "flashback" e por isso, desde o início da trama somos avisados de antemão, que não veremos um "happy end", o que não nos poupa de sermos surpreendidos, à medida que a narrativa se avança, com uma sucessão de fatos cada vez mais assustadores. O filme, sob a minha ótica, se desenrola a partir de uma série de "Evas" que se apresentarão de acordo com cada etapa da narrativa. Na primeira fase, a mais dura delas, Eva é uma mulher com pouco mais de quarenta anos, desempregada, solitária, morando em uma casa aos pedaços, que é alvo constante de depredações, sofre calada e sofre muitíssimo, não revida uma agressão sofrida na rua e mais, quase se desculpa por apanhar, aos poucos, somos apresentados a mulher cuja própria história parece ser pesada demais para levá-la consigo dia após dia. E, por isso os calmantes e a taça de vinho, seus únicos companheiros diários. Logo, esta Eva nos apresenta a outra, aquela da sua memória, moça sensual, independente, com uma diversidade de experiências e viagens - sua paixão. Enamorada por Franklin (John C. Reilly) ela engravida e se vê na difícil tarefa de adaptar-se a nova vida; o espectador é apresentado ao primeiro dilema do filme: o chamado à maternidade talvez não seja tão natural e biológico, como esperamos. Todas as mulheres têm mesmo o instinto materno?

  Desde o nascimento de Kevin (Ezra Miller) a relação entre mãe e filho é inexplicavelmente conturbada, intensificada pelo comportamento passivo do pai e pelos sentimentos mal resolvidos e não compartilhados de Eva por Kevin. Como se comunicar com o filho? Como amá-lo? Estas questões fazem com que mãe e filho vivam em um embate exaustivo, tornam Kevin impetuoso e Eva muito culpada.

  A terceira Eva é uma mulher bem sucedida profissionalmente, mora em uma casa elegante e ampla e além de Kevin, torna-se mãe de Lucy, em uma relação completamente diferente e mais dentro dos padrões que conhecemos como verdadeiramente "materna"; muito  afetuosa e tranquila. Mas, esta Eva já percebe de maneira, cada vez mais evidente, que o comportamento do primogênito destoa da normalidade, antes apenas com ela e agora com relação a outras pessoas. No entanto, só Eva e o espectador tomam consciência do nível de periculosidade que o adolescente representa, inclusive para própria irmã. Nesta etapa da trama, tornamo-nos testemunhas da barbárie algumas vezes amplamente noticiada nos últimos tempos, a morte de dezenas de estudantes por um colega de escola. 

  Eva é avisada da tragédia no trabalho, corre em direção a escola e sem notícias, desesperada como outros tantos pais, que se aglomeram em frente à escola, é surpreendida (?) com a saída de Kevin algemado por policiais. Eva, cujo nome é tão simbólico (a primeira mulher da humanidade) é mãe do rapaz responsável pelo horror que algumas vezes, nos chocam, nos amedrotam e nos levam a julgar (sem direito de defesa) os culpados por tamanha brutalidade. Este momento do filme é impactante, mas nada se compara ao horror que ainda está por vir. A vida de Eva se desmorona, a família perfeita é desintegrada, a casa elegante vendida. Desempregada, aturdida, solitária, humilhada, sem amparo algum, sem solidariedade (já que a mãe de um assassino geralmente é repelida), a terceira Eva, segue tentando reconstruir o pouco de vida que parece ter-lhe restado. Até conhecermos a quarta e última Eva.

  A última Eva segue com a sua vida marcada, agora não tão impregnada, pelo vermelho (no filme esta cor aparece de maneira constante). Em suas visitas a Kevin, na prisão, sua comunicação com o filho é um pouco mais estreitada, vemos lampejos de humanidade no filho desta mãe. E é com esta última Eva que nós ficamos. E somos convidados a refletir sobre os aspectos de uma sociedade constantemente ameaçada pelo desconhecido, inexplicável e injustificável. Nem tudo é passível de modificação, nem tudo pode ser interrompido, nem ao menos, explicado. Nossa existência é muito mais frágil do que supomos. Eva era só uma mulher, com uma família como a de qualquer um. Eva errou? Se sim, quando? Alguém, um dia, terá uma resposta única e possível para Eva? Suspeito que precisamos falar "muito" mais sobre o Kevin do que temos falado. Desconfio que precisamos "frequentar" muito mais o outro lado, antes de qualquer julgamento.



O filme - Precisamos falar sobre o Kevin (EUA/ Reino Unido - 2011)
              Direção: Lynne Ramsay; Duração:116 min

O livro - Precisamos falar sobre o Kevin
              Autora: Lionel Shriver; N° de páginas: 464

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Não é só um filme...


 Seguindo pelas ruas, já conhecidas, em um flanar irresponsável sem rumo definido, sem horários a cumprir, sem os limites de uma agenda abarrotada, sem culpa alguma pelo "dolce far niente". Subitamente, é atraído pelo lugar demasiadamente frequentado. - E como gostaria de vir aqui mais vezes! Logo na entrada a alegria pelas centenas de possibilidades, percorrendo as prateleiras repleta de estórias, os olhos brilham, o coração acelera de contentamento, as mãos tocam as caixinhas, a atenção se volta para a imagem, a descrição, o resumo que quase sempre engana, mas que nunca é ignorado. Minutos depois a ángustia da dúvida: este ou aquele? E se eu levar os cinco, terei tempo de assistí-los? 

  A verdade é que você até entrou lá carregando uma série de referências: a indicação de alguém, uma resenha que acabou de ler em algum site, um gênero favorito, um diretor, ator ou atriz e até mesmo a nacionalidade de determinada produção pode influenciar na sua escolha. Mas, agora de que te servem as inúmeras informações? É só você frente a uma estória a ser descoberta.Terá ela alguma influência no seu estado de espírito? Poderá modificar sua vida? Levar você a uma análise interna ou a uma viagem rumo a um despreocupado e passageiro entretenimento? Você se afogará em lágrimas ou fará seus músculos abdominais doerem com tantas risadas? O que essa estória fará de você? E você o que fará com ela? Seja qual for a resposta a experiência é quase sempre válida. Não existe melhor terapia do que experimentar outras vidas, ver alguém sendo traído, iludido, amado, respeitado, torcer por um final feliz,por uma virada, ou simplesmente torcer para que o filme acabe logo.

  Mas, se por desses motivos misteriosos da vida, você colocar o filme no aparelho de DVD e não vierem lágrimas, nem risadas, mas uma sensação de que aquela era uma mensagem dirigida à você, é porque valeu muito mais a pena do que só entretenimento. Por uma cena, uma performace do ator, uma fotografia, um diálogo ou frase, a sua entrada despreocupada naquela videolocadora terá realmente feito o mais completo sentido.

  Algumas pessoas não se limitam a assistir a um filme, ler um livro ou ouvir estórias. Elas procuram na arte a resposta que não encontram na vida. Este é um blog sobre estórias cinematográficas (e da literatura, na medida do possível) que de alguma maneira responderam questões ou, pelo menos, colaboraram para uma análise mais profunda sobre a vida.  Escolha o melhor lugar, o filme já vai começar...